sábado, 25 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 25-05-2013

Este blog vai sofrer uma pequena solução, suspensão, interrupção, como preferirem chamar-lhe. Não acaba porque os bordos não acabam. Continua no Don Vivo, onde de resto começou há, creio, dois anos, na Martinique ou lá perto.

Um dia voltará, grande, crescido, adulto. Obrigado a quem o leu, seguiu e apreciou.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 17-05-2013

Quase é uma palavra que engana muito, todos o sabemos; e saber que o ARCTIC FRONT está quase pronto para amanhã não me deixa completamente à vontade. Mas pouco posso fazer: o que não tem remédio remediado está. A senhora que devia vir fazer as limpezas adoeceu subitamente, ao que parece, coitada; e só consegui uma substituta para amanhã de manhã. Claro que eu podia ter limpo, arrumado, lavado a loiça, aspirado, feito as camas em vez de tratar da contabilidade e - seja Deus louvado - falado com uma jovem, simpática, bonita e inteligente senhora enquanto bebia um rum Centenario 7 anos. Pois.

Mas estou cansado, fundamental, profunda, existencial, intrínseca, estruturalmente cansado. Prefiro correr o risco de ter que fazer eu isto tudo amanhã de manhã a ter a certeza de o fazer hoje. Deus existe e é generoso - ou pelo menos tem sido, bastante, ultimamente - e a senhora estará no barco às sete em ponto.

Espero que sim. Aposto que sim.

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O curto prazo está resolvido, quase; a etapa seguinte - pintar casco e convés, refazer o interior, fazer melhoramentos no sistema eléctrico e nos encanamentos de água doce, mudar o bocim, e mais meia dúzia de coisas pequenotas - está em marcha. Em breve terei dez dias de férias. Não mudei de vida, mudei de planeta.

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Estás tão longe, Lisboa; e faltas-me tanto. Tu e o que e quem lá tens dentro.

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Começo vagamente a perceber porque é a Costa Rica o país mais feliz do mundo, e estou contente por contribuir positivamente para essa estatística.

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A minha experiência profissional é como um leque sevilhano pousado aberto em cima de uma mesa: fiz muitas coisas cheias de cor, mas pouco tempo (com a óbvia excepção da náutica de recreio). Não posso falar muito das outras profissões; mas posso sem dúvida dizer que não deve haver muitas que sejam tão variadas, tão boas, tão exigentes e - simultaneamente - generosas como a minha. Conheço pessoas que gostam tanto do que fazem como eu - mas não consigo perceber como ou porquê.

Enfim, exagero. Muito: a verdade é que não preciso de comparações para saber que faço a melhor profissão do mundo; e que as outras não são profissões, são trabalhos, empregos, ocupações, biscates, torturas, castigos e punições.

Deveria talvez acrescentar, em abono da verdade, que me é agradável ver pessoas gostar tanto do que fazem como eu gosto do que faço; mas não consigo impedir-me de pensar. Isto é, de não ser relativista.

A "sou tolerante, mas não sou relativista" deveria talvez juntar-se " compreendo tudo, mas não sou relativista".

Claro que há aqui um bemol: faço o que faço por absoluta incapacidade de fazer outra coisa...

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Hoje tive oportunidade de medir a inacreditável quantidade de sorte que me foi dada ao encontrar aquela casa. Os pormenores seriam aborrecidos (ainda mais aborrecidos).

Um gajo sabe que alguma coisa se passa na sua vida quando no vocabulário quotidiano harmonia deixa de ser a palavra recorrente e é substituida por gratidão.




quinta-feira, 16 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 16-05-2013

Trabalho, trabalho, trabalho. Vivo, respiro, como e bebo ARCTIC FRONT. Sábado chega o primeiro grupo. Não há dúvida: a esquizofrenia é um dom. Penso no que tenho de fazer até ir ao aeroporto buscá-lo, que é muito; e no que terei quando se forem embora. Felizmente são só três pessoas; se as coisas continuarem a correr como até agora têm corrido - quase bem de mais para ser verdade, no limite do irreal - não haverá problemas de maior. Bato na madeira.

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Não sei como dizer. A infelicidade cansa muito, é maçadora; a felicidade também, de certa forma: uma cansa-nos a nós, a outra aos outros. Talvez a melhor mistura seja a que agora vivo: um céu parcialmente nublado torna as cores mais vivas, melhora a luz, torna mais vivos os pormenores.

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Quepos é uma cidade pequena: aproximadamente quinze mil habitantes. Vive da proximidade com o parque nacional Manuel António. Ontem o proprietário da casa onde em breve (Allah u Aqbar) viverei mostrou-nos o trajecto até à entrada do parque. Hostels, restaurantes, restaurantes, hotéis, barracas de artesanato, hostels. Estranhamente não achei feio; ou porque acabei de chegar, ou porque de facto a mistura não choca, ou - sobretudo - porque significa que teremos mercado.

Não é chocante. Lembrei-me de Nosi Bê, em Madagáscar, infinitamente mais pobre mas igualmente harmonioso, bonito. Talvez o verde tenha esta inesperada (para mim) capacidade de integrar, absorver, digerir o frenesi e o tornar aceitável.

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Quando o ARCTIC FRONT estiver no estaleiro vou fazer uma viagem por terra pela América Central. E quando estiver assente aqui vou começar a fazer surf.  A dicotomia cronológica não se manifesta apenas no trabalho; melhor: há muitas dicotomias.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 15-05-2013

Chegámos a Quepos ontem. Parece uma vida. Uma vida que começa com uma vida não pode ser má. E uma vida que começa com a casa que encontrei hoje ainda menos.

Está num terreno de quinze mil metros quadrados, a três quilómetros e meios de Quepos, no meio dos montes e a caminho do Parque Nacional Manuel António, a grande atracção da Costa Rica. É grande, desnivelada, tem dois quartos, espaço para os meus livros e discos, aberta (no sentido de não ter paredes) e eu ainda não acredito que é ali que vou viver.

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Quepos é uma cor: verde. E uma forma: labaredas. Grandes chamas de verde, um incêndio verde, verde em todo o lado, até nas ruas, verde no ar, verde, verde, verde como se o mundo fosse uma violenta conflagração de clorofila.

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A viagem foi uma das melhores da minha vida. Nunca vi tanta fauna: golfinhos e tartarugas todos os dias, várias vezes ao dia; e raias, mantas, focas, leões marinhos ( na Isla de Guadeloupe, um dos sítios mágicos da minha vida).

Muito mais do que a fauna: tive a sorte de navegar com dois dos melhores tripulantes que jamais conheci. E. e R. foram, são, a prova de que se nasce marinheiro, apesar de muitas vezes não o sabermos.

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Os dias (os dias... dois, até agora) são passados a preparar o ARCTIC FRONT para os primeiros clientes, no sábado; a procurar fornecedores para tudo aquilo de que ainda precisa, que é muito. A encontrar uma casa e a pensar que a felicidade ora parece um gigantesco incêndio, ora parece uma vaga que submerge tudo à passagem. Quase tudo.

sábado, 11 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 11-05-2013

Dia de largada. As autoridades já saíram - desta vez foi um bocadinho mais complicado porque um dos passaportes estava na lavandaria, os senhores não têm troco nem de dólares nem de córdobas, uma das notas estava rasgada (um rasguinho minúsculo num canto, mal se via), outra tinha qualquer coisa escrita, foi preciso fazer as fotocópias porque Dorian, o Harbor Master está de folga e creio que foi tudo -; o electricista está a instalar um inversor, estou farto de deitar comida fora por não ter frigorífico; a maré é às duas tarde.

Até lá esperamos na palapa da Marina, o nosso escritório cum sala de estar cum sala de jantar aqui em Puesta del Sol que o tempo passe. Sinar, o empregado, diz-me que tem pena de nos irmos embora. Compreendo-o, fomos praticamente os únicos clientes que teve desde que chegámos.

Quepos está a dois dias e meio de distância (gosto de medir distâncias em tempo). Ontem assinei um contrato de longo prazo. Há muitos anos que não sabia o que isso era.

Chinandega, Nicarágua, 10-05-2013

Chinandega, a cidade da qual a marina Puesta del Sol está mais perto tem aproximadamente centro e trinta mil habitantes. A economia da cidade e da região de que é capital é predominantemente agrícola. Marvin, o condutor do táxi que nos leva para a cidade diz-me, com uma ponta de orgulho mal disfarçada (ou estarei a imaginar, esse orgulho? É o mais provável) que Chinandega é a cidade do país que paga mais impostos, a seguir a Manágua.

O que me marca quando chego é a semelhança com uma cidade equivalente no Brasil: a mesma sujidade, o mesmo aspecto desleixado, o mesmo barulho nas lojas e em todo o lado.

Pouco me interessam as semelhanças, na verdade. Interessam-me mais as particularidades, as diferenças; e de qualquer forma está demasiado calor para passear; felizmente, porque não há rigorosamente nada para ver. Com algum esforço encontramos um sítio para beber café; péssimo, deslavado, fraco, sem ponta por onde se lhe pegue.

Acabamos no bar Paparazzi a beber rum. É a minha maneira favorita de conhecer uma cidade: sentar-me num bar e beber meia dúzia de copos da bebida local (passa-se o mesmo com as senhoras: melhor começar a conhecê-las pelos vícios do que pelas virtudes. Aqueles não enganam ninguém; não se podem esconder muito tempo, nem escondem. Estas são fáceis de fingir, vestem-se e mudam-se como uma blusa).

A tarde foi agradável. E. é decididamente uma boa companhia, e A. igualmente. Voltámos para o supermercado, ponto de encontro com Marvin, numa caponera, um triciclo a pedais. Pensei que havia lugar para duas pessoas apenas, mas o senhor disse-me que não, a lotação é de três passageiros. Não estou habituado a andar de bicicleta como passageiro, e estava com uma certa má consciência por causa do peso. Sou magrinho e pequenino, mas apesar disso mal cabíamos no assento.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 10-05-2013

Chegámos à Marina Puesta del Sol há dois dias. Esta foi a primeira noite que todos dormimos bem, profundamente. Há uma diferença entre chegar a terra e "aterrar", (entre aspas porque aterrar é o termo técnico que designa a aproximação a uma costa depois de uma travessia oceânica). O mar entra por nós dentro e sai aos poucos: um copo aqui, um almoço ali, ausência de quartos, dias sem horas, horas sem mudanças, sem rumo.

Ao fim de dois dias em terra aterro; ao fim de quatro o mar falta-me de novo. Vou ter de aprender a viver aterrado.

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R. desembarcou hoje. Obrigações profissionais, a viagem vai muito mais longa do que o previsto. É uma excelente pessoa e um excelente marinheiro; isto é o melhor que posso dizer de alguém.

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Hoje vou à cidade; enfim, vamos todos, eu pela primeira vez. Chateia-me passar por estes países todos e não os ver - sobretudo porque tem sido uma agradável sucessão de surpresas. Pessoas adoráveis, paisagens fascinantes, e sobretudo esta noção de estar entre dois mundos, numa espécie de corda bamba geográfica.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 09-05-2013

Como os amores verdadeiros as verdadeiras viagens começam, mas nunca acabam (e têm vários começos, mas isso é outra história). Por isso nunca poderei dizer "esta foi a minha última viagem". Talvez, quando morrer, "estas são as minhas últimas viagens". Ainda é cedo para pensar nisso; já morri muitas vezes, e ressuscitei outras tantas. Mas só viajei uma vez. Começou teria eu quatro ou cinco anos e fui de avião de Lisboa para o Porto. Ainda tenho vagas reminiscências desse aventura, para mim. Fomos, a minha mãe e eu ter com o meu pai a Leixões. Foi a minha primeira viagem, pelo menos que me lembre; ainda não acabou.

Hoje passámos, M. e eu o dia a trabalhar na papelada na importação do ARCTIC FRONT para a Costa Rica. Ainda não mencionei a demência que é a burocracia na América Central. Não me apetece. Faz-me lembrar o Portugal de outros tempos - com uma diferença simpática: aqui os senhores (e senhoras) vêm a bordo. Na verdade a reflexão ocorreu-me por causa do escritório e  do trabalho: prefiro de longe trabalhar sentado a uma mesa a reparar (foi a tarefa de ontem) encanamentos de água quente. Quanto ao escritório é o mesmo de Puerto Vallarta, com algumas diferenças, poucas: a) as Margueritas aqui são intragáveis; b) não é à beira de uma piscina, mas de uma ria; c) estamos na Nicarágua e não no México.

Tudo o mais é semelhante, a começar no nome do restaurante (Palapa, em ambos os casos. Quer dizer palhota, ou coisa próxima); e a acabar na beleza do local e no prazer que é aqui trabalhar.

Fizemos quase tudo o que era preciso, incluindo digitalizar todas as páginas de todos os passaportes da tripulação - esta exigência não é habitual, suponho que seja devida à importação do barco. Toda a papelada deve ser entregue em quatro ou cinco cópias, mas isso vou pedir à secretária do advogado que M. contratou na Costa Rica para fazer.

Falta o último passo, pequenito, para que a viagem se transforme noutra viagem. Talvez seja esta a diferença entre os amores e as viagens: estas transformam-se noutras; aqueles não. Acumulam-se, mas não mudam nem morrem.

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Adenda: acabo de descobrir a bebida nacional da Nicarágua, uma fascinante mistura de rum, xarope de goiaba, sumos de laranja e limão. Chama-se Macuá, está ao nível da melhor Marguerita, levou o meu nível de açúcar para o céu (ou pelo menos para lá perto). O açúcar não foi sozinho, é preciso acrescentar.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 08-05-2013

Por vezes penso que estou em Quepos e começo um texto com "Estou em Quepos. Esta foi a minha última viagem". Não estou, não será.

Estou na Nicarágua, num buraco para ricos para o qual viria de bom grado com um bom livro e uma má companhia; ou boa que fosse, a companhia. Desde que o livro fosse bom... O rum é. Chama-se Flor de Caña, não vale um  Mount Gay, nenhum vale excepto alguns vinte ou trinta nos quais não quero sequer pensar, porque este é bom, levezinho, agradável, vai bem com o espaço e com a viagem.

Em Portugal chamaríamos a isto uma ria. Um golfo profundo, parece um rio, com múltiplos braços, como se estivéssemos num delta. Não foram a música e o rum e sentir-me-ia em África, esta imobilidade - nada se mexe, nem as pangas que começam a sair para a pesca, a senhora do bar que serve as duas ou três mesas ocupadas como se o bar estivesse a abarrotar, a água que agora vaza, lentamente. Como se tudo estivesse congelado no calor, prisioneiro do calor, do tempo, do espaço, da ideia que nada disto é verdade, é um filme do qual sou o espectador meio cego, meio surdo, meio.

A luz é branca, leitosa, quente, como se alguém tivesse embaciado o vidro de uma janela e eu estivesse do lado de fora a olhar para o mangal, para estes pontões vazios, para o mangal, para o dia que acaba como acabaram estes dias todos desde São Francisco: um dia estarei em Quepos e direi "esta foi a minha última viagem". Não será.

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O quadro é semelhante ao de El Salvador, com a diferença do espaço: lá senti-me num aquário, não havia cem metros livres qualquer que fosse a direcção para a qual se olhasse.

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Preciso de solidão como a luz de espaço.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Yelapas, Jalisco, México, 25-04-2013

Largámos de Puerto Vallarta um bom bocado mais tarde do que o previsto, e outro tão bom, ou maior ainda, antes do que poderia ter sido.

Estávamos preparados para ir até Acapulco, mas como de costume os deuses (desta vez encarnados em professores de universidade canadenses) decidiram de outra forma, e - sejam os senhores professores louvados - estamos num sítio soberbo, quinze milhas a sudoeste de Puerto Vallarta. Chama-se Yelapas, aconselho uma visita.

O ARCTIC FRONT está numa bóia a cem metros da praia. Espero que a amarra esteja em condições, que não entre vento esta noite, que as Margueritas sejam calmas.

Não é hoje que vou aprender a não ser o que sou; nem amanhã, ou depois. Paciência. Infelizmente convivo bem comigo mesmo. É uma atitude que não fez de mim um homem rico, mas fez de mim o que sou: fundamentalmente, um homem livre. Aos cinquenta e cinco anos - não é verdade, mas é poético, profundo, e dá recuo -  aprendo que se pode ser livre e infeliz, ou feliz e preso, ou preso e feliz, etc. Todas as combinações são possíveis.

Tenho a minha, e não vai mudar. Allah u Aqbar.

De maneira como um ceviche medíocre, bebo Margueritas soberbas, e afogo espectros patéticos em Yelapas, no bar do Buli-Buli enquanto o meu barco rola as ancas a cem metros de uma praia vazia. Allah u Aqbar!


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México





Puerto Vallarta, Jalisco, México





Puerto Vallarta, Jalisco, México, 24-04-2013

São seis da tarde, a luz no jardim à frente do café-livraria (de livros usados) no qual bebo um solitário e oh quão agradável copo de vinho tinto deita-se. O vento vai com ela. Não andam sempre juntos: ele só se levanta pelo meio-dia, ela é mais diligente. A cidade não é bonita nem feia, o que para os padrões destas latitudes é bastante bom.

Passei a manhã toda e parte da tarde a tratar da papelada. Portugal já foi assim -talvez pior, porque aqui as autoridades (enfim, parte delas, a Imigração e a Autoridade Sanitária, ou coisa que o valha) - vêm a bordo.

Os sanitários começaram logo por ficar-me com os frescos todos que tinha a bordo, coisa que me arrelia porque detesto deitar comida fora e estes não me pareceu que fossem de ficar com ela. Era pouca, felizmente.

Amanhã vamos cedo ao mercado e largamos uma vez os mantimentos arrumados. Não sei qual vai ser a próxima escala. Talvez Acapulco, talvez qualquer coisa mais a Sul. Não me apetece nada ir para um porto que prevejo igual àquele em que estou, em pior.

Puerto Vallarta, dizia recentemente um jornal local, perdeu a segunda posição nos destinos turísticos mexicanos. Agora é o terceiro. Não sei qual o segundo, mas imagino que seja Acapulco.


terça-feira, 23 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 23-04-2013

Doze dias de mar, dos quais os três primeiros com muito vento; uma escala muito breve numa ilha que parece um bocadinho de lua; uma tripulação fantástica; uma escala de quatro dias no México, um país que há muito queria conhecer, e agora ainda quero mais; um resto de viagem que me vai levar a mais sítios que não conheço; uma interminável sequência de coisas boas e muito boas.

São precisas muitas vidas, assim. Com ou sem vírgula.


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 22-04-2013

Foi uma tripulação feliz, unida, motivada que atracou o ARCTIC FRONT na Marina Vallarta e, depois da limpeza geral e aprofundada da embarcação, festejou no bar da piscina do Hotel Flamingo a chegada a Puerto Vallarta, onde vai permanecer três ou quatro dias, enquanto esperava mutuamente que o duche único fosse sendo utilizado à vez. Celebração essa digna e respeitosamente efectuada com várias rodadas de Margueritas gigantes (faltava sempre um para o cheers).

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A viagem correu como é habitual: muito vento e pouco vento, algumas avarias e algumas reparações, muito cansaço e muito descanso, boa comida, um atum apenas. Nunca serei um grande pescador, nada a fazer.

As pessoas fazem uma ideia errada do que é viajar numa embarcação de vela: o que a torna apaixonante, inescapável, mágica é a simplicidade. Uma bomba avaria e nós reparamos, o paiol de ré mete água em grande e nós colmatamos (esta foi mesmo à saída, debaixo da Golden Gate Bridge), o vento muda e mudamos com ele, a adriça da grande parte-se e navegamos dois dias só com a genoa (não era preciso mais pano, de qualquer forma) e aportamos na ilha Guadaloupe, o vento cai e esperamos um bom bocado antes de arrancar com o motor, um navio em rota de colisão e desviamos.

Coisas simples, puras como beber quando se tem sede ou comer quando se tem fome.

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A primeira terra mexicana que vi foi a Isla de Guadeloupe. Um bocadinho irónico, porque tem o nome da única ilha das Caraíbas de que não gosto muito. 

A Isla de Guadeloupe parece um pedaço de lua que caíu ali por acaso, e os selenitas não se deram ao trabalho de vir buscar. 

Somos recebidos por três marinheiros da marinha mexicana, três encarnações da simpatia, que nos propõem ajuda, nos dizem que se precisarmos de um mecânico, que e que e mais. Têm pouco que fazer, por um lado; e - vejo agora - são mexicanos, um povo que tem o sorriso fácil e a simpatia à flor de pele, se um galicismo me é permitido.

Estamos fundeados numa baiazinha minúscula, e a meia dúzia de metros centenas de focas e leões marinhos fazem um chinfrim infernal; um golfinho enorme vem inspeccionar-nos - talvez estejamos no seu território, não sei. 

A reparação da adriça foi uma rapidinha como eu gosto. Se estive dez minutos no galope do mastro foi muito.

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 Não gosto particularmente de fazer leme.  (Antigamente dizia-se governar, mas agora caíu em desuso, pelo menos em Portugal. No Brasil ainda se diz. É pena. Permitia analogias interessantes entre o homem do leme e o governo, por exemplo: ambos são tanto melhores quanto menos governam.)

Mas há momentos de graça quando se governa uma embarcação: aquele em que a temos na mão, por exemplo, como um cavaleiro tem um cavalo em mão. "É como se ela te obedecesse ao olhar", diz-me R. ao ver o leme quase imóvel (ela é um preciosismo da minha parte, claro, um erro. Em português referimo-nos aos barcos no masculino). Erro propositado: ele fala e penso que uma embarcação não obedece, tal como as mulheres que amamos. Como amar uma mulher que nos obedece?

Uma embarção nao obedece. Quem pensa que vai para o mar, como para o amor, mandar deve desenganar-se. Uma embarcação não obedece, tal como uma mulher não deve obedecer. O termo a utilizar é harmonia. Harmonia. Tanto no mar como no amor.

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Hoje - 16 de Abril - pescamos o nosso primeiro peixe. Um atum. São os mais fáceis de apanhar, de tão vorazes. Vou fazê-lo cozido hoje, e de cebolada amanhâ. A tripulação estranha. Mas depois, regra geral, gosta. Devíamos exportar este método de cozinhar peixe, tanto como os pastéis de nata. Sai-se de Portugal e ninguém ouviu jamais falar em peixe cozido.

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Há qualquer coisa de profundamente securizante no mar: os espectros assombram-nos os quartos e roubam-nos o descanso e apesar disso sentimo-nos bem, quase felizes. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

São Francisco, Califórnia, EUA



Uma tripulante feliz

São Francisco, Califórnia, EUA

 A fotografia mais clássica the Haight - Ashbury

Mais uma da Rosa Fedorenta

  Auto-retrato sombrio em Ashbury


São Francisco, Califórnia


Cafe Zoetrope, do pai da Sofia (a outra).

 The Stinking Rose

 Auto-retrato parcial @ The Stinking Rose

Emeryville, Califórnia, EUA, 09-04-2013

No fundo seria quase preciso esquecer a necessidade de ir para o mar e agradecer ao gerador a maravilhosa tarde de S. Francisco que nos proporcionou, à E., ao R. e a mim.

Começámos na City Lights, livraria onde não devia ter sequer entrado, e depois foi uma festa, uma festa boa, saudável (enfim, isto é discutível. Ontem estava num dia de cerveja -  ale, para ser mais preciso - . Que a diaba vá para o diabo e fique por lá).

O ponto alto, para mim, foi o Stinking Rose, um bar e restaurante que me fez pensar no Café Tati em Lisboa: qualquer deles podia ser noutra cidade, mas ambos contribuem para tornar melhor a cidade onde estão. A ale é óptima, a decoração original e o ingrediente principal também: é um restaurante dedicado ao alho.

Jantámos no Schroeder's, uma respeitável casa que serve "comida fina da Bavária" (a tradução é minha, mas não deve estar muito longe da verdade) desde 1893. Comi a melhor choucroute em muito anos, e uma boa variedade de salsichas alemãs.

Vai ser preciso fazer uma lista dos restaurantes, bares, cafés e tascas onde comemos nesta última semana. Quem disser que os americanos não sabem comer está muito, redondamente enganado.

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A tempestade afinal não era tempestade, era só vento forte. 40 nós, mas sol. Foi o primeiro dia sem uma nuvem desde que aqui cheguei. E frio, muito frio, o vento é norte. Mais uma coisa a agradecer ao gerador.

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De modo agora as previsões são boas, 20 - 25 nós pela alheta, sol e, dentro de quatro dias ou cinco, calor. O bote está pronto. Estou à espera de uma alimentação 12V para os computadores e vou sem gerador. Prefiro assim, para dizer a verdade.

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Ninguém a bordo se atreve a fazer previsões sobre a largada, ou a festejar "a última noite". E eu não voltarei a fazer um post a dizer ATD, a menos que por milagre tenha net a bordo quando tiver largado.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Emeryville, Califórnia, EUA, 08-04-2013

Hoje vai ser um dia de chill out, como eles dizem. Eu chamo esperar, coisa que mais detesto fazer (ou não-fazer). Tínhamos encomendado umas alimentações 12 V para os computadores (temos dois. Como eu, M. gosta de redundâncias; ao contrário de mim, pode); overnight delivery, etc. As coisas deviam ter chegado no sábado; não chegaram e eu resolvi largar.

Mas sem gerador e com computadores alimentados a 110 achei melhor ficar e esperar a encomenda, claro. Hoje telefonámos para a empresa que os vende. Esqueceram-se de pôr as coisas na companhia de correio. Esqueceram-se. Acontece. De qualquer forma não teríamos podido sair hoje; a tripulação vai chill out, como eles dizem, e eu vou tratar de encontrar um estaleiro que nos possa receber em Quepos.

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Er. tem um problema com a mulher, Ela não aceita facilmente a separação, passam horas e horas ao telefone todos os dias. Ontem esteve quase para desembarcar, mas depois lá conseguiu convencê-la. Empatizo com ele. Já tive uma namorada assim - com uma diferença importante, porém: eu partia para trabalhar, não para férias.

Quando brincamos com ele, Er. diz que está a "planear manter o casamento". É um objectivo admirável. Mas eu não sei que pensar de um casamento que precisa de seis horas quotidianas de telefone por causa de uma separação de um mês (ou mês e meio, agora).

Não sei, realmente. Por muita vontade que tenha - e tenho - de "casar (se possível com a vizinha do lado) e ter filhos" (entre aspas por várias razões, mas não a falta de vontade), continuo a não compreender uma relação simbiótica.

A solidão pode ser um porto temporário, como recentemente aprendi; mas é um porto necessário. Uma pessoa que não sabe estar sozinha não sabe estar acompanhada.

Emeryville, Califórnia, EUA, 07-04-2013 / III

O homem põe e a mecânica dispõe. Acabámos por não sair devido a uma avaria no gerador. Mas fizemos um belo teste de mar na baía de São Francisco. Vinte nós de vento, frio de rachar, a baía esplêndida. O ARCTIC FRONT portou-se bem, não desiludiu, e salvou-nos o dia.

domingo, 7 de abril de 2013

ATD, ETA

ATD Emeryville 1200 / 070413
ETA Cabo San Lucas 170413

Emeryville, Califórnia, EUA, 07-04-2013 / II

Daqui a hora e meia largamos. Vou para o mar com um aviso de tempestade: amanhã e depois vamos ter vento forte. Mas à popa, e o ARCTIC FRONT é forte, está preparado para isso e mais, a tripulação confiante e motivada.

Ainda há muito que fazer no ARCTIC FRONT (se bem seja apenas estética, é importante recebermos os primeiros clientes de cara pintada), e 40 nós está longe de ser um ciclone.



Emeryville, Califórnia, EUA, 07-04-2013

"Next morning, at daylight, the Narcissus went to sea.

A slight haze blurred the horizon. Outside the harbour the measureless expanse of smooth water lay sparkling like a floor of jewels, and as empty as the sky. The short black tug gave a pluck to windward, in the usual way, then let go the rope, and hovered for a moment on the quarter with her engines stopped; while the slim, long hull of the ship moved ahead slowly under lower top-sails. The loose upper canvas blew out in the breeze with soft round contours, resembling small white clouds snared in the maze of ropes. Then the sheets were hauled home, the yards hoisted, and the ship became a high and lonely pyramid, gliding, all shining and white, through the sunlit mist. The tug turned short round and went away towards land. Twenty-six pairs of eyes watched her low broad stern crawling languidly over the beating water with fierce hurry. She resembled an enormous and aquatic blackbeetle, surprised by the light, overwhelmed by the sunshine, trying to escape with ineffectual effort into the distant gloom of the land. She left a lingering smudge of smoke on the sky, and two vanishing trails of foam on the water. On the place where she had stopped a round black patch of soot remained undulating on the swell -- an unclean mark of the creature's rest.

The Narcissus left alone, heading south, seemed to stand resplendent and still upon the restless sea, under the moving sun. Flakes of foam swept past her sides; the water struck her with flashing blows; the land glided away, slowly fading; a few birds screamed on motionless wings over the swaying mastheads. But soon the land disappeared, the birds went away; and to the west the pointed sail of an Arab dhow running for Bombay, rose triangular and upright above the sharp edge of the horizon, lingered, and vanished like an illusion. Then the ship's wake, long and straight, stretched itself out through a day of immense solitude. The setting sun, burning on the level of the water, flamed crimson below the blackness of heavy rain clouds. The sunset squall, coming up from behind, dissolved itself into the short deluge of a hissing shower. It left the ship glistening from trucks to waterline, and with darkened sails. She ran easily before a fair monsoon, with her decks cleared for the night; and, moving along with her, was heard the sustained and monotonous swishing of the waves, mingled with the low whispers of men mustered aft for the setting of watches; the short plaint of some block aloft; or, now and then, a loud sigh of wind."

Joseph Conrad, "The Nigger of the Narcissus"

sábado, 6 de abril de 2013

Emeryville, Califórnia, EUA, 06-04-2013 / III

Tomorrow, that dreadful word, reappeared. Never been delayed by so stupid a reason: not being able to return a rented car.

Nesta terra em que tudo está aberto vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, cinquenta e duas semanas por ano (incluindo os anos bissextos) as agências Avis de Emeryville e Berkeley fecham ao sábado à uma da tarde e - pior - não aceitam after hours returns

Tentámos fazer disto o melhor possível (tradução possível de make the best of it): comprámos uma quantidade razoável de garrafas de vinho e conversámos. Estamos todos ansiosos por nos irmos embora, cada um precisa de mar por razões que lhe são específicas; a cada um o mar se recusa por razões incompreensíveis.

Da lista toda de hoje já só falta entregar o carro (e comprar mais limões, mas isso quase não conta). 

Amanhã largamos. Amanhã é a palavra mais feia do vocabulário. 

Quando penso no que já gostei dela....

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Em contrapartida as nossas experiências gastronómicas continuam óptimas. Ontem fomos jantar a um restaurante americano - uma experiência pouco habitual - e depois fomos beber um copo a um bar.  Pela primeira vez saí de Antigua. Dry Martini e Alexander perfeitos, serviço de dar vontade de ir directamente para o altar com a empregada,  ambiente magnífico. 

A civilização é a coisa mais bonita que o homem inventou, depois do amor, ou da falta dele.

Emeryville, Califórnia, EUA, 06-04-2013 / II

Falso alarme! Encontrei o saco, o dinheiro e o passaporte. Estavam no shipchandler onde fui a semana passada. M. vê nisto a mão de Deus. Eu vejo a da honestidade do empregado que encontrou o saco, e mais ainda, recusou a recompensa que lhe quis dar.

Falta arrrumar as últimas provisões, comprar uma extensão para a antena GPS, entregar o carro e largar. Falta pouco.

Emeryville, Califórnia, EUA, 06-04-2013

Esta amaldiçoada transição, iniciada a 4 de Dezembro com uma decisão desastrosa continua maldita. Ontem dei pela falta da mochila verde, Eagle Creek, comprada em 93 antes de ir para o Burundi. Estava velha, e há muito pensava deitá-la fora. Mas com ela foram algumas centenas de dólares e o passaporte. Navegar nestas áreas com o passaporte já é um pesadelo de burocracia. Sem ele vai ser uma experiência interessante.

Também ontem, muito antes de me ter apercebido da falta do passaporte, dei por mim a pensar que as primeiras coisas que vou comprar para a minha casa na Costa Rica vão ser uma televisão, um leitor de DVD e uma colecção de filmes clássicos. Isto anda tudo ligado.

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Largamos hoje ao meio dia. Hoje é uma palavra tão mais bonita do que amanhã.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Emeryville, Califórnia, EUA, 03-04-2013

"Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo". Como não posso, felizmente, voltar a ser menino e prefiro ter  a mão dele perto tenho de emborrachar-me. É um sacrifício permanente; nem sempre consigo, apesar dos esforços que faço. Mas quando calha e a divina mão da providência está lá acho que valeu a pena tanta dedicação.

As minhas costas estão a recuperar a uma velocidade estonteante. Já consigo andar quase normalmente, e a dose de mio-relaxante (que o Er. conseguiu apesar das severas leis americanas) tem vindo a ser reduzida. Hallelujah!

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Cada vez percebo menos a (para mim) injusta reputação que os americanos têm de comer mal. Tenho comido maravilhosamente desde que cheguei aqui - tal como, de resto, comi bem na Flórida, onde provei o melhor caranguejo da minha vida, de muito longe. E isto desde as tascas mais tascas até aos melhores restaurantes.

Ontem fomos a um restaurante japonês chamado Ozumo. Desde o Miyako em Genève que não como tão boa comida japonesa. Anteontem fomos a uma tasca "Hawaianan BBQ". Magnífica (se bem aqui não tenha pontos de comparação, o buffet do Trader Vic's no domingo de Páscoa não tinha nada do Hawai).

Acabámos no Hi Dive, um bar agradável com uma soberba vista para a baía.

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O ARTIC FRONT está praticamente pronto, a tripulação em forma e motivada. Amanhã largamos. Amanhã é sem dúvida a palavra mais utilizada quando se está a preparar uma embarcação de vela para uma viagem de quase três mil milhas.

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Quem pensa que os Estados Unidos (pelo menos aqui) são o paraíso da tecnologia engana-se. A rede de telefonia celular está permanentemente em baixo, o wi-fi é fraco e é quando existe. Para o estado do Silicon Valley é pelo menos surpreendente.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Está quase


Emeryville, Califórnia, EUA, 01-04-2013

Nada é simples e tudo se complica, como muito bem dizia Goscinny. Domingo dei meio dia de feriado à tripulação e fomos todos festejar Domingo de Páscoa. Almoçámos no Trader Vic's, um restaurante hawaiano aqui na marina que faz (e aparentemente inventou, a casa original) o melhor Mai Tai que jamais bebi na vida.

Gastámos uma quantidade apreciável de dinheiro, pelo que resolvemos ir a San Francisco. Começámos pelo Rouge et Blanc, uma garrafa de Saumur que tinha provado no outro dia; depois fomos a um pub irlandês, um restaurante mexicano, um bar... quando voltámos para bordo estávamos.

Como de costume lembrei-me de que tenho 55 anos e tentei saltar o portão da Marina. Acabei dentro de água, bastante baixa por sinal, e hoje acordei com uma dor nas costas que pensei me deixaria em terra e numa cadeira de rodas.

Mas felizmente o meu corpo continua o velho e fiel companheiro de sempre, e com uns comprimidos, umas horas na cama e pouca actividade física está a recompor-se a toda a velocidade. O Er. e o R. foram impecáveis, são profissionais de primeira (e tripulantes e pessoas). Espero estar em ordem dentro de dois ou três dias.

Largamos quarta-feira, a descida do Napa trouxe algumas avarias à tona. Coisa pouca, é de certeza o diabo a dizer-me que não devo rir-me dele.

Mas rio, claro. Quero que ele se lixe. Se pensa que é com uma dor nas costas e as bombas para mudar que me deita abaixo está bem enganado.

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M. acabou por ir para casa, a mulher está doente e com problemas. Quanto a mim já o devia ter feito há muito tempo, mas é compreensível, dados o tempo, dinheiro, energia e sonhos que investiu neste projecto. Reembarca em San Diego.

Vou finalmente conhecer essa cidade que há tanto tempo quero conhecer, a cidade do Big Bad Dennis, o primeiro americano a perder a Taça e o primeiro homem a recuperá-la. Se, claro.

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O frio continua. Esta cidade é invernal, mesmo num dia lindo de primavera, céu azul, nem um nó de vento.

sábado, 30 de março de 2013

Napa Valley, Califórnia, EUA, 29-03-13

O diabo teceu-as, claro. E bem tecidas. Para além do atraso nos trabalhos do barco - não só perdemos o avanço que tínhamos como ganhámos atraso - a mulher de M., que tem estado bastante doente, está pior e ele vai provavelmente ter de regressar a casa.

Mas se ele, diabo pensa que estou muito preocupado bem pode desenganar-se. Não tenho uma pistola apontada à cabeça, tenho uma tripulação porreira e se tiver de evitar uma escala ou duas pouco me importa.

De modo saímos hoje (um dia de atraso, um) para San Francisco, ou lá perto. Estou farto de verde, sou alérgico à clorofila, chega de vacas. E acabamos lá a meia dúzia de pequenos nadas que faltam. Talvez nem chegue a meia dúzia.

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Nos Açores chegava a levar duas horas para fazer os setenta metros de pontão, quando ia despedir-me dos clientes. Aqui não é bem assim: só C., armador de um 36' e de um 41' me convida frequentemente para ir a bordo de um dos seus barcos beber uma Smithwicks. Tive o azar - ou a sorte, não sejamos bégueule - de lhe dizer que é a minha cerveja preferida. Comprou uma quantidade delas e agora convida-me todos os dias. Ainda não tive coragem para lhe dizer que não devo beber cerveja, ou que nestes dias bebi mais cerveja do que desde o princípio do ano (não é verdade, mas é tentador). Paciência. O homem é simpático e uma cerveja de vez em quando não faz  mal a ninguém.

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Seria emocionante, uma série de posts intitulada América, América. Mas enfim, todos sabemos como é, não seria muito original. A novidade é viver esascoisas quotidianamente, na linha da frente, por exemplo.

 O advogado que anda a pôr todas as marinas do Napa River em tribunal por obscuras e ambientais razões - mas que num sem precedentes élan de altruísmo se dispõe a abandonar as queixas contra o pagamento de 37 mil dólares. O adorável tripulante que me diz, quando discutimos o direito ao porte de armas que tem sete carregadores de trinta munições (um dos temas em discussão é os carregadores e respectivas capacidades) e que está à espera de mais sete. E assim por diante.

Os Estados Unidos não me entusiasmam tanto quanto eu pensava me entusiasmariam. Mas estive cá pouco tempo, e o país é vasto.

Encontros - Steve J., Napa Valley

- De que parte de Portugal és? - pergunta-me o homem da bomba de combustível da marina quando me ouve falar com M. durante a manobra. Íamos fazer um teste de mar e fomos a bancas (meter combustível, em linguagem de mar).
- De Lisboa. Como reconheceste o sotaque?
- Vivi dois anos em Setúbal.

 Encontro-me com Steve alguns dias depois. Levou-me à cabana que lhe serve de atelier e escritório ao pontão do combustível. Steve é designer e acredita nas virtudes do mostrar mais do que nas de explicar.

- Tens de ver, se não não percebes - diz quando lhe sugiro que se não tem tempo podemos falar no barco.

Começamos por falar dos seus anos em Setúbal, dos estaleiros navais artesanais que não souberam adaptar-se e procurar novos mercados quando a pesca acabou em Portugal e morreram todos. Depois falamos, é inevitável, das pessoas que conhecemos. Era amigo do G. O'Neill, diz-me que lhe dê um abraço quando o vir, explico-lhe que não será assim tão cedo mas será entregue.

Continuamos pelo seu projeto actual, uma galera birreme - "o projecto mais antigo de todos aqueles em que trabalhei. Espero muito que este se concretize" - e daí vamos para trás (incluindo uma réplica de uma caravela, da qual depois me oferece uma vista de perfil). Steve desenha e ajuda a construir, como responsável pela mastreacão, réplicas de barcos antigos. Comecou ajudante e aprendiz de um senhor que trabalhou para Walt Disney a fazer o COLUMBIA, e desde daí salta de projecto para projecto. Os seus clientes são museus, parques de diversões, cidades (a caravela era para uma cidade da costa oeste dos Estados Unidos), produtores de cinema ou simplesmente privados que querem um barco diferente. Tem um 34' de 1890, no qual vive, aqui na marina.

O trabalho na estacão de combustíveis é pouco e deixa-lhe muito tempo livre. Os desenhos não são de brinquedos, de réplicas mais ou menos fantasistas. "Onde vais buscar a informacão para os planos?" Mostra-me uma estante cheia de livros de história marítima, explica-me que o seu mentor foi contratado pelo Walt Disney porque "os meus desenhadores só sabem fazer barcos para bandas desenhadas e não é isso que eu quero para o COLUMBIA" (Steve conta-me que o senhor desenhava enquanto Walt Disney falava durante o almoco para o qual este o convidara. Terminada refeicão mostrou-lhe o desenho. "O trabalho é teu. Vamos para os estúdios", terá sido a resposta), mostra-me um capacete espanhol da época das descobertas - "se não tiveres um modelo só podes desenhar as coisas de um ponto de vista. Com um modelo podes dar-lhes as voltas todas que quiseres".

Da estante saem três livros iguais, duas reproducões e um original de um livro de 1819, com bastantes ilustracões de poleame, massame, cabos, técnicas de mastreacão, esquemas de construcão. "Este livro é fantástico. Tudo o que fiz dos séculos XVIII e XIX vem daqui. Foi o primeiro e mais completo guia de vela daquela época. Tive um sucesso fenomenal. Toma, dou-te este. Este não porque é um original que encontrei num alfarrabista de Filadélfia, este também não porque é o que uso (mostra-mo, cheio de sublinhados, anotacões, setas), mas este é teu.

O presente comove-me. Para além dos barcos Steve também desenha casas e trabalhou num rancho, onde aprendeu a recuperar selas antigas. "Foi depois do meu divórcio. Foi muito difícil e resolvi "levar o remo para terra". Passei dois anos a trabalhar num rancho.

Mostra-me desenhos de cowboys, quintas, terra. Mas a minha mente ficou no "The Young Sea Officer's Sheet Anchor or a Key to the Leading of Rigging and Pratical Seamanship" by Larcy Lever, Esq., "With an Appendix containing several figures illustrative of novelties and improvements in rigging &c &c &c." que trago para bordo e agora folheio.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Napa Valley, Califórnia, EUA, 26-03-13

Ontem fui às compras. Estou muito orgulhoso. Consegui comprar quase tudo o que precisava, não excedi muito o orçamento, e só comprei um coisa que não estava prevista (justificadissimamente: um casaco de linho óptimo, lindo, em saldo. Tenho algumas dúvidas sobre a sua absoluta necessidade, mas enfim, a melhor abordagem é a do ceguinho: logo se verá).

Mas também fiquei bastante preocupado, muito mais do que orgulhoso. Cada vez me é mais difícil estar numa loja, cada vez me sinto mais desamparado, perdido e incapaz de gerir aqueles parâmetros todos: o preço, a medida, a estética, a adequação. Fico num estado de tenção que roça (ou pior ainda penetra) o pânico.

Na primeira loja onde fui (uns grandes armazéns chamados Macy's) ainda consegui dizer à senhora que fazer compras é para mim uma experiência traumatizante, ao que ela respondeu laconica e precisamente "estou a ver"; na segunda fui atendido (enfim, atendido é um grosseiro exagero) por um jovem com piercings ridículos e abandonei a missão.

Fui para um wine bar esperar que os óculos ficassem prontos - outra missão concluída com sucesso. Sou o feliz, e neste caso também orgulhoso proprietário de duas armações da conceituada e de há muito minha conhecida marca Ray Ban, adquiridos sem esforço e a um preço que me faz temer pelo futuro da loja. E de um par de olhos em bom estado, não é despiciendo. Apesar de tudo o que lhe faço o meu corpo é generoso e tolerante.

Na verdade o mérito não é meu. É do vendedor (um senhor maricas que levou a simpatia e a eficáca ao ponto de insinuar que eu devo cortar o cabelo: "naturally you need to cut your hair", disse-me). E acrescentou, quando eu lhe expliquei que corto o cabelo apenas duas vezes por ano, porque faça o que fizer nunca serei bonito, e mais vale não gastar dinheiro com objectivos inúteis "se quer escolher uns óculos facilmente".

A compra dos óculos e consulta médica correram bem: raramente estive sozinho, o processo desde a consulta - bastante completa - à escolha das armações e lentes é rápido, fluido e havia boas oportunidades - uma das armações estava em desconto por ser uma devolução e na outra reduziram o preço em cinquenta dólares por causa de um quase imperceptível risco numa das lentes. O método de vendas daquela cadeia é apreciável.

O que falta vai ser comprado no México, e depois espero estar vestido para os anos que aí vêm.

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O trabalho a bordo do ARTIC FRONT avança a bom ritmo. Estamos (muito ligeiramente, é certo, mas estamos) adiantados em relação ao que tinha previsto, graças às qualidades dos tripulantes. Dois bombeiros profissionais - M. era bombeiro amador, e R. e Er. são antigos colegas dele -, e E., uma jovem canadiana que inicia connosco um périplo de um ano pela América Latina, "entre o masters e o trabalho". É engenheira civil, bastante desenrascada e o facto de nunca ter posto os pés num barco não a incomoda a ela nem, graças a Deus, a mim. A rapariga parece ser bastante autónoma.

Trabalham todos bem, depressa, cheios de energia e bom humor. Mas uma vez sou o único a bordo com experiência de mar (R. e Er. fazem vela ligeira). Tenho umas certas saudades de navegar com uma tripulação experimentada, eficaz, num barco rápido; mais uma coisa que vai ter de esperar. São tantas...

Mas sermos ou não capazes de respeitar a ETD vai depender do que acontecer hoje, de modo tenho sempre presente aquele velho dito francês, segundo o qual on n'est pas sortis d'auberge; e mantenho - metaforicamente, claro - os dedos cruzados, não vá o diabo, grande companheiro destas andanças tecê-las.

O ARTIC FRONT não está nem de longe preparado para receber clientes, e quero chegar rapidamente a Quepos para o pôr de novo no estaleiro: pintar o convés, reparar a borda falsa e outro madeirame, fazer capas novas para os coxins, mudar o piso do salão, lavar as velas.

M. é contabilista de formação e ele próprio reconhece ter mais jeito para números do que para a estética.

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Teria preferido fazer a viagem sem escalas. Vinte e cinco dias de mar vinham a calhar. Infelizmente devemos parar pelo menos uma vez por semana, para que M. possa trabalhar. Vamos fazer escalas no México, nas Honduras (a meu pedido) e na Nicarágua. Podia ser pior, verdade seja dita. Tudo pode sempre ser pior, de resto. Mais facilmente do que melhor. Somos bons a gerir a felicidade, e maus a lidar com a tristeza



segunda-feira, 25 de março de 2013

Napa Valley, Califórnia, EUA, 25-03-13

Ontem foi dia de teste de mar. De rio, para ser mais preciso. Curto, mas não era preciso muito mais. Pequeníssimos problemas aqui e ali; parece-me possível respeitar o ETD. Rezo para que sim, preciso de mar como de ar ou luz.

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A Napa Valley Marina fica em pleno campo. Não é raro o dia em que o vento nos traz ligeiros (felizmente) eflúvios de estrume. Não tem um metro quadrado de "imobiliário", aspas dedicadas às luminárias do nosso querido por assim dizer país, que do alto da sua sabedoria dizem "uma marina sem imobiliário não é rentável" e abanam a cabeça, talvez para ver se encontram mais uma asneira ou duas naquele vazio todo oco que lhes é a cabeça.

(A marina é pequena e perdida no meio de nada, mas isso não me impediu de encontrar um tipo que viveu em Portugal e conhece o G. O'Neill. Se por acaso alguém ler isto e vir o G. por favor diga-lhe que tem um abraço do Stephen (desenhador de caravelas e outros barcos antigos para museus, filmes, etc.. Em breve na série Encontros).

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Hoje vou às compras em San Francisco. A tripulação chega hoje à noite (dois) e amanhã (uma. Vai ser um bocado apertado, o barco só tem dois camarotes, mas não é o fim do mundo). Eu vou aproveitar o último dia de calma: óculos, computador, roupa, CD, alguns livros... a lista é longa e é boa.

Depois é o programa habitual: inventário (e mais limpezas), inspecções diversas, provisões e sobressalentes, plano de viagem, clearance, e larga.

Isto, claro, se os pequeníssimos problemas que vi forem realmente pequenos. Às vezes são. E não aparecerem novos. Às vezes não.


domingo, 24 de março de 2013

Napa Valley, Califórnia, EUA, 24-03-13

Não há barco que não tenha uma história; raras são as que têm algum interesse. A do ARTIC FRONT pode não ser muito original, mas é das mais humanas que tenho conhecido: um senhor constrói um barco durante dezanove anos; muito pouco tempo depois de o barco ficar pronto adoece gravemente e dá-o a um amigo. Este não se interessa por barcos; deixa-o morrer tranquilamente num canto. Ao fim de dez anos (ou seja, quase trinta depois de ter começado a ser construído) o "amigo" entre aspas de propósito decide vendê-lo. Enter M., que o compra por um preço que faz a uva mijona passar por caviar (verdade seja dita que levou ano e meio a fechar o negócio ) e enche o bote de mimos.

Finalmente o barco vai servir para aquilo por que foi construído: dar vida a um sonho. Trinta e dois anos depois.

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Ontem foi o primeiro dia de trabalho a sério. Limpeza, claro. Há muitas razões pelas quais pessoas asseadas, civilizadas, educadas conseguem viver em barcos imundos; mas bem espremidas vão todas dar ao mesmo: não é o seu ambiente natural, e não pensam que certas regras são universais (não incluo uma certa e determinada nacionalidade nesta explicação; pouco interessa).

Na verdade, limpar uma embarcação - e sobretudo limpá-la a fundo, como vamos fazer nestes três ou quatro próximos dias - é uma tarefa de que gosto muito. É a melhor maneira de a ficar a conhecer, literalmente por dentro e por fora. É como namorar uma senhora apesar de já termos decidido que a resposta é sim; só queremos conhecê-la um bocadinho melhor antes.

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Pela primeira vez desde que atravessei o Atlântico no D. H. tenho um armador que não sabe tudo. É indecente, de tão bom.

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Sexta vamos para San Francisco e sábado largamos. Não sou supersticioso mas não gosto de correr riscos inúteis; não me passaria pela cabeça largar numa sexta-feira para uma viagem de três mil milhas.

Não sei se vamos conseguir respeitar o ETD, mas como sempre prefiro ter uma data e ajustá-la a trabalhar sine die. "Largamos quando estivermos prontos" é receita segura de desastre.

sábado, 23 de março de 2013

Napa Valley, California, EUA, 23-03-13

Um bocadinho de frio não faz mal, antes pelo  contrário. Espicaça, estimula, refresca, faz-nos andar depressa.

A viagem foi longa e demolidora. Em Newark preferi comer um bacalhau a ir passar uma hora ou duas em Nova Iorque. Erro. O bacalhau não estava grande coisa, e o preço não teria sido muito diferente do que acabei por pagar na Adega Grill, um restaurante no qal se pede bacalhau assado e a encantadora rapariga brasileira que nos serve pergunta "com arroz?" Valeram os dois copos de Duas Quintas que bebi com o Júlio Quirino, que de repente se sentou ao meu lado, vindo de Évora.

O ARTIC FRONT está em Napa Valley, em plena região vinícola. Quando vamos almoçar ou jantar, M. (o armador) e eu passamos por extensas vinhas que me fazem lembrar a França.  Como o barco é um espécie de AQUARELLE ligeiramente maior acho que sim, corresponde, está em ordem.

O AQUARELLE foi o primeiro barco como qual trabalhei para mim. Era um cofre-forte de 35 pés, com dois camarotes e linhas cuja função não eram fazer o barco andar, mas manté-lo a flutuar acontecesse o que acontecesse, viesse o que viesse.

Foi com ele que comecei uma empresa de charter nos Açores. A vida dá voltas como um tipo com cálculos renais se contorce e esperneia na cama. Espero que a hipótese de Marx sobre a repetição da história não se lhe aplique.

Mas é-me simpático, apesar da sua enorme capuchana - as capuchanas estão para as embarcações como as marquises para os prédios - das caixas enormes com que M. encheu o convés,  das duas demãos de tinta de que precisa (e vai levar, quando chegarmos a Quepos).

Vai ser a minha casa, até encontrar uma em terra.

Agora há trabalho e muito, para levar esta coisa até lá.




quarta-feira, 20 de março de 2013

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 20-03-13

O dia começou bem, se se pode chamar começar a um almoço. Tive direito às minhas fajitas, porção dupla; a Sandra não brinca em serviço. Não sei o que fiz entretanto, talvez porque não seja muito importante [sei, fui à praia]. O jantar foi um um  churrasco na doca, desta vez do 2-L.

É o meu último em Antígua; foi um resumo condensado, justo, correcto da minha vida nesta ilha.

Conheci A. (ou B., tem vários nomes), maquinista do 2-L. Tem trinta e oito anos e fala-me do relógio biológico. Conto-lhe que esse tal de relógio dá saltos, avança e pára, recua e pula; como todos os outros relógios. A idade não tem nada a ver.

É um tipo inteligente, sensível e culto. Não percebe que eu queira ter filhos agora, com dois já tão crescidos. Não lhe digo que querer não é o verbo adequado. O verbo é outro, mais difícil do que a vontade. Querer é uma tradução muito aproximada, falaciosa.

O churrasco estava francamente bom. Um chefe num mega iate ganha entre sete mil e quinhentos e nove mil e quinhentos dólares por mês, mas transpira cada um desses dólares, e merece-os.

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Havia dois runs à prova, ontem. Um, o Post Office Rum (o senhor também gere os correios, para além da bomba de gasolina) é bom, sem mais. Forte e saboroso, mas sem corpo, sem cuisse, como diria um francês. O outro é francamente mau, não vale sequer a pena falar dele.

A quarenta EC o galão, o Post Office Rum vale francamente o dinheiro que custa. Muito mais do que o dinheiro que custa.

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Faltam quatorze horas para me ir embora de Antígua.

terça-feira, 19 de março de 2013

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 19-03-13

A praia chama-se Windward Beach. Passei-lhe ao largo inúmeras vezes, mas só há meia dúzia de dias a visitei por terra. Tem pouca gente: não tem sombra, o acesso à água é difícil, não há lugar para estacionar.

Hoje estava totalmente vazia e eu aproveitei para tomar banho e nadar como gosto; só estava eu e o Jon Voigt do Coming Home, ele na cadeira de rodas dele e eu na minha, que felizmente não se vê e não me impede de andar. Ficámos os dois por ali a boiar, a apreciar a beleza do sítio, a nadar devagarinho.

Depois ele foi-se embora e fiquei sozinho.

Não gosto muito de praia, mas também isto está a mudar. É simplesmente preciso seguir algumas regras simples, e a primeira é que a praia não deve ter mais ninguém; a segunda é não levarmos livros ou outra qualquer distracção; a terceira é passar mais tempo dentro de água do que fora dela.

Nada que não se tenha num barco? Não: num barco falta a paisagem, linda de morrer. E duvido que o Jon Voigt tivesse tido a paciência de me fazer companhia aquele tempo todo, se tivesse um barco com que me ocupar.

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Amanhã deixo de contar os dias e começo a contar as horas. E a Sandra do Skullduggery prometeu-me uma Fajita como presente de despedida.

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Como sempre vamo-nos embora de um país e descobrimos que nos fugiram coisas sem fim. Ontem no churrasco do A. fiquei a saber que o D. do Waterfront vende dois runs aparentemente magníficos. Um feito pelo irmão, também D.; e outro por um senhor que tem uma bomba de gasolina no meio da ilha e faz rum nos tempos livres.

É para lá que vou agora. Espero que os runs sejam tão bons como me garantiram; e se tal for o caso, ainda bem que só os descobri agora.

Encontros

Com a Carlotta e o Oliver, que estão a dar a volta ao mundo num Rival 32. 

(Primeiro de uma nova série de posts aqui no Diário).

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 19-03-13

[18-03-13]
Escrevo na pérgola do Reef Gardens, um dos meus lugares favoritos no mundo. Ao longe, Monserrate não se vê, envolta em núvens. Está normal; nos últimos dias tem estado claramente visível, as suas três bossas a fazer lembrar o monstro de Loch Ness ou um dragão semi-submerso, penacho de fumo a sair-lhe das narinas. Mas tanta visibilidade tanto tempo é rara nestas paragens quentes e húmidas.

Da baía também exala o habitual silêncio; é espantoso como esta paisagem consegue apagar os sons todos que lhe são estranhos: a conversa do casal numa das mesas do jardim, o zumzum do tráfego nesta hora de regresso a casa, o ocasional avião. Quando olho para a baía tudo o que vejo é silêncio, barcos fundeados, silêncio, um dinghy a puxar um esquiador, em silêncio e tão longe que parecem miniaturas. Tudo parece a cena de um filme ao qual um Deus misericordioso tivesse tirado o som.

A harmonia - palavra que há quatro meses não me ocorre - volta, pouco a pouco.

Penso muitas vezes que Bequia é o lugar onde morrerei, se esse mesmo Deus misericordioso mo conceder; Antígua, em contrapartida, é um lugar de vida, com seus altos e baixos, os seus cumes e abismos, harmonias e convulsões.

O silêncio continua: palpável, sólido como betão armado, visível. Um pequeno sloop sai da baía, pano todo em cima; o sol aproxima-se da colina atrás da qual sei que se esconderá daqui a pouco; penso que antes disso tenho um churrasco no A., para o qual P. simpaticamente me convidou. Sinto-me como se estivesse a chegar pela primera vez aqui. A harmonia é um país novo.

Sei que vou demorar muito tempo a subir a íngreme, longa e solitária encosta que tenho pela proa; sei que um dia serei de novo feliz, e que amanhã não é a véspera desse dia. Mas só me interessa o destino, não o tempo que demorarei a atingi-lo. Olho para esta baía, para este silêncio e é esse destino que vejo, essa felicidade que me espera ao longe. Eles não mentem.

Os mastros e os brandais brilham, com o sol a bater-lhes quase na perpendicular. Ontem via neles as barras de uma prisão. Hoje vejo instrumentos musicais mudos; conheço-lhes tão bem os sons... Em breve os ouvirei de novo.

domingo, 17 de março de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 15-03-13 / II

Um tema que me é caro: a hierarquia, o respeito, a obediência. Um marinheiro só reconhece uma hierarquia: a do saber; e só respeita quem merece ser respeitado - a quem não merece o mar encarrega-se rapidamente de pôr no seu lugar.

Nem hoje, com a disciplina a bordo muito mais institucionalizada do que no séc. XVII, um capitão faz o que quer da sua tripulação se não for por ela amado e respeitado. Em contrapartida, se o for é capaz de os levar a fazer tudo e mais alguma coisa, não há à face da terra ser mais leal do que um marinheiro.

As razões para isto são óbvias: o mar não se compadece com hierarquias baseadas em nomes, títulos, aldrabices ou seja o que for que não seja saber. E a sobrevivência depende do grupo, nunca de um indivíduo só.

A este respeito encontrei hoje duas passagens num livro que estou a ler, chamado The Command of the Ocean, A Naval History of Britain, 1649 - 1815.

O livro é monumental, em todos os sentidos do termo. Muito gostaria eu de ter uma coisa semelhante  em e sobre Portugal.

"Contemporaries were far more impressed by the Navy's relaxed, not to say chaotic discipline. By modern standards the authority of a sea officer was weak, and ships functioned at sea on an implicit basis of co-operation and consent which sprang from the experience of seamen bred from boyhood to the necessity of teamwork for survival."

" ...but he had wrecked the system of mutual respect on which all naval discipline ultimately rested."

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 15-03-13

Numa indústria que conta notoriamente poucos portugueses ontem encontrei dois, o P. e o C. Ambos trabalharam apara mim no início das suas carreiras. P. é hoje capitão de um veleiro de 33 m; C. é o imediato dele, mas tem uma longa história de comandos tanto de barcos a motor como de barcos à vela. Como bons portugueses andam às turras e C. vai desembarcar e voltar para Maiorca, onde vive com a mulher e as duas filhas. Os portugueses são os piores inimigos de si próprios.

Foi um prazer, mas não só: ontem o orgulho deu uma voltinha por aqui.

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"Cada dia que te vejo estás melhor", diz-me B., do Seabreeze. E termina, em simultâneo comigo: "está mais perto".

quinta-feira, 14 de março de 2013

Falmouth Harbour, Antigua e Barbuda, 14-03-13

Daqui a precisamente uma semana (se não houver atrasos, claro) estarei a embarcar no avião que me levará para San Francisco. Estou tenso, impaciente, nervoso; sinto-me como aquelas plantas submarinas que estão presas a uma rocha e se agitam com a corrente, como se pedissem ao deus delas que as libertasse, as deixasse ir.

Uma semana é um marco importante. A partir de agora faltam dias; a unidade inferior será a hora. Nunca pensei que quereria tanto deixar Antígua; (e não quero, preferiria de longe ter encontrado aqui um emprego que me permitisse parar um bocadinho). Mas não encontrei; resta-me esperar não ter perdido com a troca.

Antígua não é um país no qual se possa passar muito tempo sem fazer nada. Para além de procurar day work - uma coisa que me leva cerca de uma hora todas as manhãs (enfim, as manhãs em que o procuro) - não faço mais nada. Vou à praia, de que não sou grande fâ; às cinco da tarde bebo o meu primeiro rum punch no Mad Mongoose (hoje foi uma excepção, mas tinha um pedido de uma amiga, daquelas a quem não se pode dizer não). Ando uma hora por dia. Leio muito, muito.

Nada.

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Ontem houve uma festa na praia. Em Antígua há festas todos os dias - dock parties, beach parties, theme parties, WTF parties. Não sou muito de parties, mas o de ontem foi agradável. Pelo menos o pouco tempo que lá passei: o pôr-do-sol estava lindo, o grupo de pessoas pequeno e simpático, a música ao vivo conhecida e um pouco repetida, mas como sempre bem executada pelos Fruto de la Manga.

Mas vim-me embora cedo. Ando com pouca paciência para festas, para a alegria e conversa de circunstância.

Daqui a uma semana ressuscito.