quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 31-01-2013 / 3

O nosso bote está praticamente sem gasolina. Ainda fui à bomba, mas estava fechada. Depois de esperar em vão vinte minutos na dinghy dock por uma boleia lá me resolvi a ir no bote, o mais devagar possível. Cheguei a bordo e a máquina principal e o gerador estavam a trabalhar. Desliguei o motor, mas não consegui parar o gerador. Além disso estava um alarme a tocar e não havia maneira de o calar.

Voltei para terra e às onze e dez da noite - isto merece ser apontado - bebi o primeiro rum do dia. Não vale a pena lutar contra mulheres decididas, e a má sorte hoje esta-o, mais ainda do que tem estado estes últimos tempos. Persistir na água seria um erro inútil.

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A vida em Antigua é muito barata, mas o dinheiro vai-se com uma facilidade desconcertante. Talvez seja por se viver muito; ou desconcertado, não sei.

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Houve uma dock party e isto está deprimente. Agora no Mongoose está um gajo com o fato de banho do Simon Baron-Cohen; a música está de fugir, em todo o lado; os putos estão grossos, excitados, insuportáveis. Se o meu amor por Antigua sobreviver a muitas noites assim sobreviverá a tudo.

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 31-01-2013 / 2

Pouco a pouco o luto faz-se. Enfim, não é pouco a pouco. Tive ajuda, claro: o rum Mount Gay, o trabalho, o Don Vivo. E a razão, por estranho que pareça. Primeiro, porque é tolice ficar triste por acontecer algo que sabíamos aconteceria, mais tarde ou cedo; e pela qual, inclusivamente, lutámos. Segundo, porque recebi o mais belo texto de ruptura que jamais me foi dado ler. Inevitável por inevitável, ao menos que seja belo.


Claro que não é fácil estar outra vez sozinho, não ter uma casa onde possa ler e ouvir música, ser tratado como se tivesse sido eu o algoz, que não fui (por muito compreensível que seja, e eu compreendo. Mas estar sempre a compreender cansa). Acresce que o mercado de senhoras interessantes, disponíveis e - sim - com uma idade mais próxima da minha é extremamente limitado, nestas bandas.

A verdade é que o luto se está a fazer, muito mais depressa do que eu pensava. Há vida depois da morte. E nessa vida há vento, mar, prazer. A dor que vá dar uma volta ao bilhar grande, e por lá fique.

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Viver numa embarcação fundeada tem algumas vantagens - acordar no meio da baía de Falmouth Harbour é uma experiência que sugiro fortemente a todos - mas tem uma desvantagem muito grande: a partilha do bote. A partir de hoje somos só dois, mas temos vidas e horas completamente diferentes. Gostava de ir para bordo ler e descansar e celebrar, mas se o fizer sei que a meio da noite vou receber um telefonema para ir a terra buscar o co-inquilino.


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O Blues Shack é muito agradável quando o dono não canta nem fala, o que infelizmente é raro.

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 31-01-2013

Por uma razão que eu desconheço mas agradeço o rum não me provoca ressacas nem aumenta o nível da substância no sangue. Por outra, diferente e conhecida, é barato. Algumas pessoas acham que é uma bebida perigosa. Eu concordo.

Felizmente o perigo nunca me afastou do que quer que fosse.
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Começar o dia no Skullduggery é uma experiência desastrosa: temos o sol na cara, como se tivéssemos mergulhado numa piscina de água quente; somos acolhidos por duas senhoras que nos tratam como se fôssemos a razão de ser do dia delas, e por isso nos fazem uma tosta mista bastante maior do que a medida, e melhor do que qualquer tosta mista em qualquer parte do mundo; e temos a vidta da baía de Falmouth Harbour, com os barcos mais bonitos do mundo. É horroroso.

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Continua. Tenho de ir trabalhar. A felicidade é uma sucessão de maçadas que todos os dias começa assim.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda, 30-01-2013

Há poucas coisas em mim que não mudaram ao longo dos anos. Talvez, não sei. Pelo menos gosto de o pensar. Uma sei que não mudou: o meu gosto por abcessos que rebentam. Ou, se preferirem o meu desgosto por abcessos. Um dia meti-me na casa de banho com uma garrafa de whisky, outra de álcool puro e uma lâmina de barbear daquelas antigas e cortei uma série de abcessos que me estava a crescer nos sovacos e já tinham resistido a duas intervenções médicas. Ao whisky e ao álcool puro (que usei para desinfectar os cortes, claro) não resistiram.

 Hoje rebentou mais um abcesso. Não fui eu, mas fiquei feliz como se tivesse sido. Além de tudo o mais, serviu para confirmar aquilo que há muito tempo sabia. Não há anão que não se sinta gigante, quando isso acontece.

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Como previsto fui trabalhar. A primeira parte do dia foi chata, longa, monótona, pouco exigente. Tinha a cabeça noutras coisas, o tempo não passava, as coisas tão pouco. Mas depois passei a coisas mais exigentes e quando dei por mim eram cinco horas, hora de dar volta.

E de rum, que me faz dispensar o álcool puro.

Falmouth Harbour, Antígua e Barbuda 30-01-2013

Faz um ano que cheguei a English Harbour - o lugar de onde, mesmo tendo saído, parece que nunca cheguei a sair. Neste ano aprendi mais sobre mim do que em todos os anteriores. Acredito que, se não tivesse feito esta viagem, a viagem que fiz (e continuo a fazer) dentro de mim não me teria levado tão longe. Os passos são curtos, mas não são em volta. São degraus que subo e desço e às vezes uso para descansar.

As pessoas que viajam não são melhores do que as outras, mas muitas das que tenho conhecido querem tanto sê-lo que só essa vontade as torna melhores. No outro dia falava dos meus dilemas (apercebi-me recentemente de que não tenho problemas dignos desse nome) a um viajante que me dizia «agora que começaste nunca mais vais parar», para ilustrar a minha inquietação. Há coisas que só os viajantes percebem. Não sei o que fazer da vida, mas isso parece não ter muita importância. A maior parte das pessoas que conheço limita-se a fazer o mesmo de sempre, torna-se o medo de mudar. Creio que a permanência sem sofrimento só funciona na ignorância ou na extrema humildade. Passei os limites da primeira e a última é, ainda, apenas algo a que aspiro. Desisti de querer a felicidade instantânea. É como o amor eterno, não existe. Que seja, como diz Vinícius, infinito enquanto dure.

Uma ovelha faz "Méééé"´e F. responde pensando que alguém disse "Hi!". Partilho o quarto com ela (a F., não a ovelha); poupo na renda e ganho na companhia -- é simpática, inteligente, bonita e engraçada. Graças a ela, no entanto, o meu português está cada vez pior. Em compensação, o meu português do Brasil está cada vez melhor. É outra língua. Penso na inevitabilidade que é o disparate do acordo ortográfico. O sotaque e o vocabulário brasileiros são totalitários, entranham-se na gente como cheiro de lenha queimada. Para desintoxicar, hoje pus-me a ouvir Amália e chorei. Estou a reler A Relíquia e rio, sem poder explicar aos outros de quê. Gosto de quando o totalitarismo vem de dentro. Só falo em português do Brasil com a F. porque há o João, o Tom e o Vinícius - e, confesso, o meu amor recente, Caetano).

Antígua está perigosíssima. Nunca vi uma concentração de gatinhos por metro quadrado tão grande. Com olhos e cabelos de todas as cores, ingleses, americanos, suecos, alemães, israelitas, australianos e mesmo antiguanos, imediatos, marinheiros, mecânicos, carpinteiros, veraneantes, bons dançarinos... enfim, um desassossego. Manter-se fiel aqui é modalidade olímpica, mas os atletas parecem, Deus me perdoe, não querer lograr o pódio.

Por falar em gatinhos, tenho muito más notícias. O gato Lager morreu. Ficámos todos inconsoláveis. A C. não quer mais gatos no Reef Gardens, teve de tomar a decisão de o abater por causa de um filho da puta de um tumor no estômago. Soube da notícia pelo B., que voltou do Canadá e continua a passar os dias a fazer quilómetros andando de um lado para o outro na Pigeon Beach, uma praia com apenas 300 metros. O cão mais gato que conheci está, pois, enterrado num canteiro do Reef Gardens. Decerto continuará, feito vento, a dar patadas nos mosquitos e a pedinchar comidas e afectos.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Falmouth Harbour, Antigua, 29-01-2013

Arranjei um trabalho e uma casa. Enfim, quase uma casa: é um barco que está parado na baía  à espera de ser vendido; enquanto não for, fico lá a viver. É um Farr 65, tem espaço. Pena é estar parado, mas enfim.


O trabalho é uma troca que fiz com a empresa que me vai fazer a formação: vai servir para a pagar. Desta vez não demorou muito tempo encontrar um emprego. Era bom que tudo se resolvese tão facilmente; não vai acontecer, claro: esvaziar esta piscina vai levar o seu tempo, e enchê-la de novo ainda mais. Tenho sorte: sei nadar. Já por aqui nadei, muitas vezes. Demasiadas, mesmo.

Estava convencido de que não haveria mais. Enganei-me, como de costume.

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A Pineapple House, onde dormi estas duas noites, é uma casa linda com uma vista sublime para a baía. Durmo na varanda, num dormitório pouco habitual: só tem três camas, grandes, separadas umas das outras por mesas e cadeiras que fazem uns "recantos de estar" bastante agradáveis e estão protegidas por redes mosquiteiras. O efeito é engraçado, por causa do bom gosto da decoração e da vista (que desta vez inclui o MALTESE FALCON); e um bocadinho estragado pelo preço, demasiado elevado para o que no fundo não passa de um  hostel. L., a dona é oito dias mais nova do que eu e bebe quase tanto - não surpreenderá quem souber que o cão da casa se chama Rumdog. Ontem demos um encontrão valente na garrafa de rum e prometemo-nos amizade eterna.

Depois fui dançar para o ex-Lime and Coconut, agora Lime Lounge. A mudança de nome é pequena, mas enganadora: aquilo estava cheio a abarrotar, nunca tinha visto tanta gente e tanta animação naquele sítio.

De maneira dancei e bebi e dancei e bebi e a piscina lá se esvaziou mais um bocadinho. Amanhã com o trabalho esvaziar-se-á mais e mais depressa. E depois encher-se-á, como tem vindo a fazer ao longo destes anos todos. Uma vez será a última.

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Hoje é a vez do Blues Shack, ex-qualquer coisa onde se comia, já por aqui o disse, o melhor caril de uma grande parte das Caraíbas. Agora é a qualidade da música que me fascina. A certa altura pensei que estava a ouvir um CD. O puto (chama-se Colin) é fabuloso.

Devemos, sempre que possível, embebedarmo-nos ouvindo boa música. Torna as coisas mais fáceis, de certa forma.

Coral Bay, Jost van Dyke, Cooper Island





White Bay, Jost van Dyke, BVI; Coral Bay, St. John, USVI






Falmouth Harbour, Antigua


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Falmouth Harbour, Antigua, 28-01-2013

Nada como a clareza para nos ajudar a olhar para a frente. O dia começou com uma boa decisão, já posta em prática. Assunto arrumado.

Outro assunto que me preocupava era a formação RYA (Royal Yachting Association). Sem ela não encontrarei trabalhos decentes e bem pagos. O curso começa dia 24 de Fevereiro. Falta acertar alguns pormenores e sobretudo, arranjar forma de viver até lá. Também está a ser tratado.

Das três tuiles, como dizem os nossos amigos gauleses, que me caíram em cima quase simultaneamente - o computador, a namorada e o trabalho, por ordem cronológica - já só me falta resolver o primeiro. É o que vai demorar mais tempo, mas também desta estação já o comboio saíu. Agora é uma questão de tempo: vender esta porcaria (por sinal bastente boa, de passagem se diga) do tablet e encomendar o novo portátil. Três semanas a um mês.

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Tuiles não é o termo apropriado. Qualquer delas foi provocada por mim, foi asneira minha. Não devia ter aceite o emprego no S., devia ter desembarcado logo que me apercebi de várias coisas relacionadas com a pretensa, e excessiva simpatia dos donos, o estado do barco e o programa do catamaran; e devia ter prestado mais atenção ao meu bem-amado Toshiba e menos aos passageiros do dinghy numa noite de vento forte em Redhook.

O conceito de culpa interessa-me pouco. A culpa de tudo o que me aconteceu é minha, exclusivamente minha. E depois? Isso não atenua a dor, por um lado; e por outro, dos três só há um que não repetirei: o primeiro, claro. Não há emprego que valha uma pessoa boa.

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Hoje fui dar uma volta à casa: fui a St. John - a habitual e doce confusão; a mesma interminável espera pelo autocarro (cujo condutor reconheci, há lá melhor prova); em Falmouth, o Lime and Coconut deixou cair o coco e agora é só Lime; o sítio onde comia o melhor caril desta, e provavelmente muitas ilhas é um bar; o Skullduggery e o Mad Mongoose continuam a dar-me rum, amizade e net.

E fui almoçar ao Baba Rum. O almoço no Serge custou-me um terço do preço de uma daquelas infectas sandes das USVI e é pelo menos cinquenta vezes melhor.

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Vem aí um bom bocado de mau tempo; como todos, passará. A barca ficará com mais umas marcas e cicatrizes mas sobreviverá.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Falmouth Harbour, Antigua, 27-01-2013

Foi um regresso a casa daqueles de não ter muitos. É como um temporal: um gajo sabe que ele está ali, e não há como fugir-lhe. Mais vale enfrentá-lo: a perpendicular é mais curta do que qualquer oblíqua.

A partir de hoje a Tatiana escreverá (espero) neste blog mas os seus bordos serão diferentes dos meus. Ainda bem. O blog ganhará; eu não. Ou muito indirectamente: é bom ver acontecer aquilo por que lutámos. 

De modo foi um múltiplo regresso a casa: primeiro a Antigua, que é a casa onde vivo - enfim, onde pelo menos vivem a minha imaginação e a minha memória, constituintes básicos daquilo que somos, ou gostaríamos de ser -; e à situação habitual: sem trabalho, sem dinheiro e sem mulher. Desta vez tenho uma casa, seja Deus louvado. Chama-se Falmouth Harbour, fica em Antigua, fica em mim.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 23-01-2012

O Island Blues tem um site (www.island-blues.com, não há maneira de me entender com este teclado). Vale a pena visitá-los, o sítio e o site. É lá que estou agora, a beber um Painkiller. A minha senhora velhota é uma chata e hoje resolveu perder o hélice. Gosto muito dela, da minha senhora velhota, mas estou a perder a paciência, bem escasso já de si, não precisa destes ameaços constantes, raios as partam, à paciência e à senhora de idade.

De maneira continuo em Coral Bay, no Island Blues a beber Painkillers e a pensar no sofrimento, na dor e na relação entre os dois.

Isto vem a propósito de umas palavras rabiscadas esta noite, ainda tinha hélice e pensava sair hoje:

"Vim dormir para o poço; a noite está bonita de mais para estar enfiado num camarote minúsculo. Quarto crescente, vinte nós de vento sem vagas, que a baía é muito protegida, as luzes das casas nas montanhas à volta a apagar-se uma a uma, como se fossem divisões de uma vivenda gigantesca percorrida por um Tati distraído. O vento acaricia-me melhor do que muitas mãos, talvez porque tenha começado mais cedo.

"A dor é inevitável; o sofrimento opcional", dizia a tatuagem (enfim, uma das muitas tatuagens) de um tipo com quem naveguei estes dias. É uma palermice, claro. Só um palerma se lembraria de tatuar o corpo daquela maneira, e com idiotices daquelas. Se o sofrimento fosse opcional psicanalistas, bares, farmacêuticas e muitos escritores famosos estariam falidos, ou noutro ramo de negócio. O que é opcional é a exibição do sofrimento."

Ou do prazer, acrescento agora.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 22-01-2013

Um gajo acaba de escrever o título do post e já está cansado. Depois confronta-se com as inconsistências do "teclado" e perde a vontade toda de escrever.

Tanto mais que hoje é noite de karaoke no Island Blues, o bar onde ouvi a melhor música ao vivo dos últimos tempos.

Isto do karaoke é uma das incongruências da vida. Com tanta gente talentuosa que não quer cantar, por que raio de carga de água inventaram um mecanismo que permite a quem não tem talento massacrar os ouvidos dos inocentes?

O Island Blues é o único bar de Coral Ay que tem wifi...

domingo, 20 de janeiro de 2013

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 20-01-2013

Pela primeira vez em muito tempo acordei com uma dor de cabeça de origem hepática. Como estou de turista, penitenciei-me com um passeio pela ilha. S. está no ferro e está bem, calmo. 

A caminhada foi curta, mas intensa: meia-hora de subida transformam em forno o mais fresco dos dias. Acabei a pedir boleia mais cedo do que tinha previsto. De qualquer forma estava um aguaceiro a chegar e e e.

O carro que parou explicou-me que não vinha directamente para Cruz Bay, o que agradeci profusamente. Eram o armador, respectiva namorada e skipper de um Sunreef 62 que está fundeado em Cruz Bay e andavam a dar uma volta pela ilha.

Que fiquei, portanto, a conhecer parcialmente. St. John é quase toda um parque nacional, com poucas casas e uma vegetação que deve ser a original destas ilhas. Conheci igualmente a "capital", Cruz Bay, uma cidadezinha pequena, à escala da ilha, e muito americana. A diferença entre St. John e St. Thomas é abismal. "Um mal necessário", chamou-lhe o meu colega de boleia no regresso, um senhor que vem a St. John desde 1981. Não sei se é necessário, mas mal é de certeza.

E assim, entre penitências e encontros simpáticos passou o dia; a primeira folga num mês e quase meio. 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Coral Bay, St. John, USVI, EUA, 19-01-2013

Um dia acabarei assim: um bar caótico com uma vista linda de morrer, uma mulher feia com cara de quem viveu muitas vidas e um barco sublime como a vida e as mulheres feias fundeado em frente (do bar). Será como agora o fim de um dia sem vento, o fim de uma história, um parênteses que se fecha.

Coral Bay lembra-me Bequia, já por aqui o disse. Com uma excepção: o Island Blues, que agora me acolhe tem uma vista mais bonita. Mas é o mesmo bar, em branco. E a música é incomparavelmente melhor.

Estou apaixonado pelo S., a minha senhora rabugenta, o meu encantador chaço. Um dia ele retribuirá.

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Coral Bay é a "cidade" (isto precisava de um quilómetro de aspas) para onde os hippies do mar se retiram. Está cheio de velhos de cabelo comprido e de gente nova que - suponho - os inveja. Mas, seja  Deus louvado, não tem yachties. Tem mosquitos - toneladas deles - hippies, músicos, senhoras sozinhas, muitos barcos e um "super" (sai um quilómetro de aspas para a mesa do canto)-mercado. Mas não tem yachties.

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Há outra diferença: aqui um gajo tem a impressão de estar numa cadeira de cinema; em Bequia está no palco.

Redhook, St. Thomas, USVI, EUA,18-01-2013

Pela primeira vez sinto-me bem em Redhook; a melancolia feliz é a minha casa. Ou a sua fundação, quem sabe.

A substância no sangue baixa, à custa de muita água e salada. Para não lhe dar falsas expectativas (ao sangue) encarrego-me de a fazer subir, com uns Mount Gay e - já que regressei ao Pub - Irish Coffees (sem açúcar, não gosto deles doces. Nem delas, de resto; mas isso é outra história). Ainda não me apreenderam a carta de dinghies.

No Latitude 18 tocava uma banda que me fez pensar nos Fruto de la Manga. Mais velhos e americanos, mas com o mesmo espírito. É uma função nobre, devolver a melancolia à felicidade - ou, ao invés, esta àquela.

«Esta é a canção favorita da minha avó» anunciou o chefe da banda numa das canções. Abençoada avó (o senhor tem pelo menos setenta anos).

Os Irish Coffee são demasiado doces. E caros, o que ainda é pior. Mas num pub "irlandês" a única pessoa feliz tout court é o dono. Sem melancolias, a julgar pelo facies do homem, um irlandês obeso com uma orelha permanentemente atrás de um auscultador de telefone. A musica é boa, a comida também, parece. Para o resto há braços, pernas e um bocadinho de cabeça.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Redhook, St. Thomas, USVI, EUA, 09-01-2013

A minha senhora velhota continua com as crises de rabugice e ontem lá pegou fogo outra vez. Exagero: curto-circuito, muito fumo e um cheiro atroz a queimado, mas nada de chamas, graças a Deus. Desta vez um extintor foi suficiente. A boa notícia é tudo indicar que este está relacionado com o anterior: prefiro um problema com várias ramificações a vários problemas independentes.

S. é um barco magnífico. Só precisa de um bocadinho de cirurgia - não plástica, refiro-me a cirurgia a sério.

Agora está fundeada na baía, trinta pés de fundo e quase duzentos de amarra, para ter a certeza de que não sai do sítio. Está vento, e se lhe dá para a asneira é uma chatice.

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Escrevo no Café Gourmet do  American Yacht Harbour, a marina local. Gourmet sempre me pareceu um termo bastante abusado, mas neste caso o abuso é escandaloso. Vale a vista, bonita; e a música, entre o aceitável e o bom.

Não posso ouvir nada a bordo enquanto não tiver o problema resolvido, espero que amanhã. Tem sido um prazer inesperado, este reencontro com a minha música.

Já as BVI são o que esperava: uma seca; bonita, mas seca. As Caraíbas acabam em St. Martin, quando se vem do Sul; e começam em Antigua, quando se vai.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Charlotte Amalie, USVI, EUA, 07-01-2013

Voltei ao Twisted Cork, para celebrar algo que o será de novo em breve. Comi um pato que vai estabelecer padrões para todos os patos daqui para a frente. É uma chatice, isto de aos cinquenta e cinco anos ser surpreendido por um pato.

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Faz hoje um mês que cheguei a Miami. Como é possível viver sem viver tanto, num só mês?

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As BVI são demasiado brancas para o meu gosto. Daqui a 3 dias andarei por lá, desta vez com o filho de C. e amigos. Pode ser que comece a gostar mais.

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Clément 10 anos - o rum francês, à falta de El Dorado, Mount Gay e alguns outros é excelente.

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S. é uma senhora velha, rabugenta e gorda. Coo consegue ser amável apesar disto tudo é um mistério - ou um teste.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Charlotte Amalie, USVI, EUA, 06-01-2013

Amanhã os queridos armadores vão-se embora.

Soper's Hole, Tortola, BVI, Reino Unido, 05-01-2013

É um daqueles dias em que preciso desesperadamente de net; para me lembrar que não devemos nunca precisar desesperadamente seja do que for - vento, amor, net, seja o que for. Vento há muito, por aqui; e amor tenho. Mas net não. E depende tanto de mim como este ou aquele: nada. Vou dormir. Daqui a três dias faz um mês que trabalho ininterruptamente, muitas vezes mais de doze horas por dia.

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Pela primeira vez em muito tempo estou completamente sozinho. Os armadores foram jantar a terra, convidados por um casal amigo a um restaurante luxuoso, pelo menos a julgar pelas fotografias que C. me mostrou. E. está-se nas tintas. Descendente de russos que vieram para os EUA no princípio do século XX, self made man, riquíssimo, ainda se lembra do que é ser pobre. É uma das coisas de que gosto nele.

Mas é forçoso reconhecer que um tipo incapaz de usar a expressão "o meu chefe", a quem dizer "o meu patrão" provoca um irrepressível e incompreensível incómodo não é feito para ser skipper de proprietário, por adorável que este seja.

O charter tem várias vantagens: os clientes só ficam uma semana, não têm hábitos e não conhecem o barco. Posso fazer as coisas como gosto, pela ordem que me parece melhor, quando acho que é preciso fazê-las.

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A Marina de Soper's Hole parece-se furiosamente com a de Marigot Bay, em St. Lucia. Em maior: Soper's Hole é muito maior do que Marigot. Mas a sensação de estar num buraco é igualzinha.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Spanish Town, Virgin Gorda, BVI, Reino Unido, 04-01-2012

G. foi desembarcado hoje com uma limpeza que me deixou admirativo. Gosto de coisas bem feitas, e esta foi-o, sem dúvida. A ver como se o rapaz se safa, e como.

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Mais um dia, mais uma ilha, mais uma avaria. S. é uma velha senhora rabugenta que todos os dias tem um achaque, para nos lembrar que quem gosta do que é bom paga. Hoje foi o frigorífico; ontem o gerador; anteontem a grande - o rasgão é pequeno, mas tem de ser tratado assim que chegar a St. Thomas. Devia ser antes, mas não tenho tecido a bordo e não quero coser o pano e deixar os pontos à vista. De qualquer forma aguenta o que nos espera, meia dúzia de horas à popa.

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A ilha do dia é Virgin Gorda, uma das grandes e a mais a leste do grupo central. Como sempre não vejo nada: a marina - simpática, mas não mais; e o caminho, muito curto, até ao restaurante Chez Bamboo, uma maravilha à qual o site não faz de todo justiça.

Comer nas Ilhas Virgens requer uma certa capacidade financeira, mais do que estomacal (enfim, a maioria das vezes). Felizmente não sou eu que pago as refeições; precisaria doutro salário, se fosse.

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Daqui a três dias E. e C. vão-se embora; três dias depois chegam M. e um grupo de amigos. Depois tenho duas semanas de "férias" - entre aspas porque uma delas vai ser passada a trabalhar.

A outra vai ser em Antigua.

Podia ser pior.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Marina Cay, BVI, Reino Unido, 03-01-2012

G., o insubstituível tripulante suíço caíu em desgraça. Goza demasiado a viagem.   Um tripulante pode gostar do que faz - e eu não tenho a certeza de que ele goste por aí além - mas não pode gozar. Dormir ao sol com os auscultadores nos ouvidos não se faz, por exemplo.

Tenho pena, por um lado; o rapaz é simpático e eficaz. E acho injusto, por outro: a verdade é que sem ele a viagem até St. Thomas teria sido muito mais complicada. Vi o filme todo em antestreia, mas não intervim. Não só não fui eu que o contratei como propus uma pessoa impecável para estes dias. Não quiseram, o problema é deles.

E dele, que vai ser desembarcado amanhã sem saber como nem porquê. Um dia perceberá, é inteligente e tem tempo.

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Marina Cay é uma ilhota minúscula à beira de Tortola onde há muitos anos viveram um senhor chamado Robert White e a sua mulher. Três anos, ao que parece, até ele ser chamado para a tropa (decorria a Segunda Guerra Mundial) e nunca mais cá voltaram.

Hoje tem um hotel, um Pusser's e nada que a distinga de centenas de outras ilhas, grandes ou pequenas, das BVI, apesar dos esforços - bem sucedidos, a julgar pela quantidade de clientes - do departamento de marketing da empresa.

É nas BVI que vou ficar baseado esta época. Não é muito longe de Antigua, mas os bilhetes, via LIAT Airlines, são caríssimos. Malditos monopólios, malditas empresas estatais, maldita distância.

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Navegar aqui faz-me lembrar os passeios no lago Léman. Não é provocação: não consigo deixar de pensar no lago, quando olho para estas montanhas que nos rodeiam como se lá estivéssemos, estas "navegações" de hora e meia... enfim, tudo o resto é diferente, reconheço. Incluindo a gigantesca barata que acaba de percorrer o topo do monitor do meu computador, com uma desfaçatez inaceitavel - que ficou por punir, infelizmente beneficiou do meu espanto e conseguiu escapar-se ilesa.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

The Bight Bay, Norman's Island, BVI, Reino Unido, 01-01-2012

As BVI não são o meu canto favorito das Antilhas; mas devo reconhecer que há sítios piores para começar o ano - ou para o continuar, que isto de pôr cancelas no tempo vale tanto como pedir-lhe para esperar um bocadinho, que o dia está lindo. Ou despachar-se, que o fim do ano é uma seca.

E., C. e eu fomos deitar-nos cedo; ainda ouvi o concerto de sirenes à meia-noite, mas já de fugida. G. foi à terra. A julgar pelo que vi durante a tarde não deve ter sido uma experiência inesquecível - dinghies atulhados de putos de copo na mão a dizer adeus a tudo o que passava, "música" de dança (entre aspas porque não me habituo a chamar música àquilo e não quero habituar-me), miúdas histéricas e rios de rum.

O amanhecer foi surpreendente, porque a maioria dos barcos levantou ferro bastante cedo. Nós também: fui a terra comprar água e viemos para Norman's Island, a ilha que inspirou a Stevenson A Ilha do Tesouro. Há pouco a dizer desta navegação que não seja repetitivo: a maravilha - esta repetição de verde, azul e vento - é monótona.

Mas nem sempre a monotonia é aborrecida, muito antes pelo contrário.

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Que longe está Palma! E Portugal, ainda mais. Parece que o Cavaco mandou o orçamento para o TC. Qualquer dia desligo-me de todos os blogues portugueses que leio e começo a preocupar-me apenas com o que é importante: tu, uma embarcação de vela e uma ilha nas Caraíbas. O resto é paisagem, história, espuma, periferia.

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Tanto quanto percebi há dois restaurantes em Norman's Island. O outro chama-se Willie T. e é onde os armadores foram comer. Nós viemos ao Pirates Bight. Não sei de onde vem o Pirates - talvez da relação quantidade / preço (a qualidade é indiscutivelmente óptima, mas as porções são minúsculas) -. G., que tem um apetite capaz de envergonhar Gargantua, olha desesperado para o prato vazio e diz que sabe a pouco. Acabei por encomendar Conch Fritters, uma especialidade local que raramente é bem feita e desta vez não foge à regra; pelo menos a quantidade é a habitual. Ofereço o último a G., que agradece e me diz "sinto-me como um aspirador humano". O meu pai chamar-lhe-ia triturador, ou coisa que o valha.